Bat Sheva, a mulher amarela.

Sexta-feira, fim-de-semana. Ainda tinha mais um dia de trabalho ate que pudesse enfim descansar. Apos duro de trabalho, para organizar tudo para o proximo domingo.  Esta noite resolvi dedicar aos meus caros amigos do bairro vizinho, Shaare Hessed, que em portugues quer dizer algo em torno de Os portoes da Graca.

Cheguei em casa por volta das tres. Nas maos, sacolas de supermercados e fome, muita fome. Nao ia conseguir esperar ate 19h00 para jantar. Preparei a casa, cozinhei um rapido spaguetti e logo chegava o shabbat. Acendi as velas e deitei-me um pouco ate que chegasse a hora de ir aos meus amigos.

Meu amigo ja me esperava as 18h30 pontualmente pra jantarmos na casa de outros amigos, no predio vizinho ao seu. Sua dificuldade extrema em andar e a serveridade de sua doenca o limitavam, deixando-o quase que a uma prisao domiciliar. Resolvi nao esperar o elevador de shabbat e subi 10 lances de escadas e no meio do caminho encontro com ele, tentando descer com muito esforco as escadas. Que perigo!

Atravessamos o hall do predio muito vagarosamente e finalmente chegamos no  predio vizinho. No hall, um engracado visitante de Lima, que jamais tinha entrado em um elevador de shabbat. Brinquei com ele em espanhol e disse: "calma, voce vai sobreviver".

No apto. eramos esperados pelos donos da casa e anfitriaos daquela noite. Uma noite surpresa, pelas pessoas que ali estavam, um par de senhoras vienenses que juntas somavam 180 anos, a filha do casal que mais parecia um vulcao em erupcao e furia, ultra revoltada e amarga com todo o status quo familiar e, finalmente a supresa maior, chegada depois de iniciado o jantar de shabbat! Bat Sheva, a mulher amarela!

A comunidade toda a conhecia, bem como sua obsessao pela cor amarela, sem contar suas centenas de cirurgias plasticas que nao so deformaram seu rosto, mas a deixaram com uma expressao caricata, como se um rascunho mal feito de si mesma! Sem falar de sua dieta alimentar. Pobre mulher! Praticava um vegan fundamentalista e cheio de restricoes! Mas essa era so a figura externa daquela grande mulher!

Por dentro, sensibilidade e muita fe! Poderia dizer que uma filha de Abraao ou Sarah, crente fervorosa que conhecia o poder maravilhoso da Torah! E fazia questao de dizer isso a mesa de shabbat, o quanto deveriamos ser gratos a Hashem. Seu discurso messianico, de redencao e esperanca, cheio de louvor a Hashem me soava quase como uma teleevangelista daquelas que vemos nos programas norte-americanos. Alias ela vem do Texas. Via a "plateia" ao seu redor, nao muito convencida, as vezes ate enfadada, mas atenta aos seus comentarios. Em respeito a ela, trocamos o idioma a mesa de jantar, saiu o hebraico e entrou o ingles.

Mas ela nao se dava por vencida! Seu vocabulario so conhecia palavras de incentivo, de gratidao e  grande espanto pelas obras de D'us. De repente ela percebeu a cor do sweter do meu amigo, sentado ao meu lado. Um amarelinho claro, bem bonito. Pronto: foi a deixa para disparar uma dezena de elogios a ele, que o deixaram desconcertado. Pausa para muitos risos a mesa... que descontracao! As duas jovens senhoras de 180 estavam ali feito criancas sorrindo com as brincadeiras de Bat Sheva e sua cor preferida. Os anfitriaos podiam relaxar com a atmosfera agora descontraida de um verdadeiro shabbat.

Suficiente pra quebrar o clima tenso entre a familia anfitria e sua filha amarga feito fel! Pobre moca! 40 anos de exilio voluntario, de amargura retida contra um pai zelozo, mas que nao soube compreender os anseios da proprio rebento. Resultado: odio, ressentimento e rancor! Tudo isso nos comentarios e olhares acidos a mesa de shabbat! Para desconforto dos anfitriaos que recebiam suas visitas e isso incluia a mim. Meu olhar tornava entre compaixao e julgamento. Dificil o que senti ali, presenciando tanto rancor e odio, ao mesmo tempo!

Mas a atmosfera trazida por Bat Sheva conseguia neutralizar todo aquele ressentimento! Cheguei a pensar que ela era um anjo disfarcado de gente e enviado por D'us para nos alegrar aquela noite! E  seguia com seu encantador mas obsessivo desejo pela cor amarela, continuava dizendo sobre suas conferencias que organizava para as mulheres da comunidade e as grandes palestrantes que la se apresentaram. Mulher dedicada e envolvida nas questoes da comunidade e do bairro! Articulada e sempre vestida de amarelo! Literalmente da cabeca aos pes. Dia e noite, sol ou chuva, faca neve ou faca calor! La estava ela alegremente de amarelo!

Um momento para brindar o casamento da neta do meu amigo, que por razoes de saude nao poderia estar em New York para acompanhar a cerimonia. O dono da casa fez as  honras da casa e nos ofereceu um delicioso licor de cerejas feito com muito orgulho por ele mesmo. Momento de honra para meu amigo, que se sentiu como parte da celebracao que estaria para acontecer em alguns dias.

Um instante depois ja estavamos enebriados pelo doce e suave aroma das cerejas e a sensacao da presenca de D'us naquele jantar. Uma doce e alegre presenca! Sorriamos e cantavamos cancoes hassidicas, que apesar de nao me serem familiares, traziam uma atmosfera de alegria e conforto! Finalmente, demos a palavra ao nosso Talmid Hacham, o homem dono do sweter amarelo, que nos trouxe uma interpretacao da parashat e nos sentimos mais uma vez conectados, pertencendo a Am Israel!

Mias cancoes hassidicas a mesa e a doce presenca de D'us ali naquele lugar. E, eh claro,  a inconfundivel Bat Sheva, a mulher  amarela.

Shavua Tov!




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